Cantos e Encantos da Língua Portuguesa
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Cantos e Encantos da Língua Portuguesa

Reflexões sobre a arte da Língua Portuguesa e seus recursos de beleza estética.

  • Publishedmarço 3, 2022

Na mágica de expressar seu mundo interior, o artista se pode valer da linguagem em formas tais que extrapolam os campos próprios da fonética e da semântica, tomando roupagens de outras artes como a cênica e a plástica sem sair do branco do papel.

Comecemos pelo seu campo próprio, o de encantar palavras com profundidade e beleza. O português Fernando Pessoa mereceu estudo do linguista russo Roman Jakobson (JAKOBSON, 1978), que explorou o uso magistral dos oximoros por aquele poeta:

“O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo”.

 

Mas o brasileiro Chico Buarque foi além e, na canção Agora Falando Sério (1970), talvez tenha inventado o “oximoro oculto”:

 

“Eu quero fazer silêncio,
um silêncio tão doente
de o vizinho reclamar.”

 

Na estrofe seguinte da mesma canção, ele leva a Língua Portuguesa em incursão pelas artes plásticas quando faz edificar concreto sobre a fundação abstrata da palavra “tédio”:

 

E chamar polícia e médico
O síndico do meu tédio
Pedindo para eu cantar”.

 

Nos versos mágicos de outra canção, Flor da Idade (BUARQUE E PONTES, 1980), um necessário pecado gramatical monta cenário adequado para que libidinosas sílabas façam evoluções frenéticas:

 

“Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
[..]
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua”.

 

E já que começamos com Fernando Pessoa, vejamos como ele e Chico modelam suas letras em arte plástica, pintando quadro surrealista: em O Infante, o poeta português pincelou:

 

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.”

 

Ao que Chico, em Fado Tropical (BUARQUE e GUERRA, 1977), deu colorido a modos de aquarela:

 

“E o rio Amazonas
Que corre Trás-Os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo”

 

São infinitas as possibilidades que a Língua Portuguesa oferece ao artista.

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Referências Bibliográficas:

Imagem: https://www.youtube.com/watch?v=17AnzjiAqjU

Bibliografia:

BUARQUE, Chico; GUERRA, Ruy. Calabar: o elogio da traição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1977.

BUARQUE, Chico; PONTES, Paulo. Gota d’água. 10ª edição. Rio de janeiro: Editora Civilização brasileira, 1980

JAKOBSON, Roman. Os oxímoros dialéticos de Fernando Pessoa. Tradução de Haroldo de Campos. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

PESSOA, Fernando. O Infante. In: Arquivo Pessoa. Disponível em <http://arquivopessoa.net/textos/2375 >. Acesso em: 28 fevereiro. 2022

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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