Tenho Lido Os Podres Poderes e a esperança de Freyre: “Eu ouço vozes” Reflexões sobre a herança escravista e a precarização dos empregos. ByGilberto Vitor Publishedmarço 8, 2022 Os recentes retrocessos no abismo que faz do Brasil um dos mais desiguais do mundo lembram canção de Caetano Veloso: “Enquanto os homens exercem Seus podres poderes Motos e fuscas avançam Os sinais vermelhos E perdem os verdes. Somos uns boçais [..] Será que nunca faremos senão confirmar A incompetência da América católica Que sempre precisará de ridículos tiranos” É um tirano o patrão que sonega direitos do trabalhador e precariza sua condição, pois sabe estar roubando para si direitos de outro. De acordo com o sociólogo Gilberto Freyre, essa cultura vem do regime escravocrata, formalmente extinto há tempo curto demais para esmaecer o que Freud chama de “inscrição transgeracional”. Em Casa-Grande e Senzala, Freyre diz que há naquele patrão mais do que desonestidade: “A verdade, porém, é que nós [classe dominante] é que fomos os sadistas; [..] Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu, como um deus poderoso, em senhores e escravos. Dele se deriva a exagerada tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa-grande” (FREYRE, 2006, p.462). Esse sadismo contamina os da planície: o sonho do oprimido é ser opressor, mostra Paulo Freire; e Caetano denuncia: “Ou então cada paisano e cada capataz Com sua burrice fará jorrar sangue demais” Sadismo de Estado legislado pelos mesmos filhos da casa-grande: “A tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em ‘princípio da autoridade’ ou ‘defesa da Ordem’. Entre essas duas místicas [..] é que se vem equilibrando entre nós a vida política” (FREYRE, 2006, p.114). Mas FREYRE (1962) registrou sua esperança: “Eu ouço vozes eu vejo as cores eu sinto os passos de outro Brasil que vem aí [..] Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil [..] Mãos todas de trabalhadores, pretas, brancas, pardas, roxas, morenas, de artistas, de escritores, de operários, [..] Mãos brasileiras brancas, morenas, pretas, pardas, roxas, tropicais sindicais fraternais”. ———- Créditos de imagem: Freepik: http://www.engenho.prceu.usp.br/events/vii_siha_2021/ Bibliografia: FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006. FREYRE, Gilberto. O Brasil que vem aí. In Talvez Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. Apud FREYRE, 2006. VELOSO, Caetano. Podres Poderes. In: VELOSO, Caetano. Velô. Rio de Janeiro: Philips, 1989. Faixa 1. CD.