Os recentes retrocessos no abismo que faz do Brasil um dos mais desiguais do mundo lembram canção de Caetano Veloso:“Enquanto os homens exercemSeus podres poderesMotos e fuscas avançamOs sinais vermelhosE perdem os verdes.Somos uns boçais[..]Será que nunca faremos senão confirmarA incompetência da América católicaQue sempre precisará de ridículos tiranos”É um tirano o patrão que sonega direitos do trabalhador e precariza sua condição, pois sabe estar roubando para si direitos de outro.De acordo com o sociólogo Gilberto Freyre, essa cultura vem do regime escravocrata, formalmente extinto há tempo curto demais para esmaecer o que Freud chama de “inscrição transgeracional”. Em Casa-Grande e Senzala, Freyre diz que há naquele patrão mais do que desonestidade:“A verdade, porém, é que nós [classe dominante] é que fomos os sadistas; [..] Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu, como um deus poderoso, em senhores e escravos. Dele se deriva a exagerada tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa-grande” (FREYRE, 2006, p.462).Esse sadismo contamina os da planície: o sonho do oprimido é ser opressor, mostra Paulo Freire; e Caetano denuncia:“Ou então cada paisano e cada capatazCom sua burrice fará jorrar sangue demais”Sadismo de Estado legislado pelos mesmos filhos da casa-grande:“A tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em ‘princípio da autoridade’ ou ‘defesa da Ordem’. Entre essas duas místicas [..] é que se vem equilibrando entre nós a vida política” (FREYRE, 2006, p.114).Mas FREYRE (1962) registrou sua esperança:“Eu ouço vozeseu vejo as coreseu sinto os passosde outro Brasil que vem aí[..]Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil[..]Mãos todas de trabalhadores,pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,de artistas,de escritores,de operários,[..]Mãos brasileirasbrancas, morenas, pretas, pardas, roxas,tropicaissindicaisfraternais”.———- Créditos de imagem:Freepik: http://www.engenho.prceu.usp.br/events/vii_siha_2021/Bibliografia:FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.FREYRE, Gilberto. O Brasil que vem aí. In Talvez Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. Apud FREYRE, 2006.VELOSO, Caetano. Podres Poderes. In: VELOSO, Caetano. Velô. Rio de Janeiro: Philips, 1989. Faixa 1. CD.