Tarde mansa de céu claro em Lanzarote. José Saramago e seu convidado Fernando Pessoa contemplam o mar. É o anfitrião quem corta o sussurrar das ondas:
— Por que escreves, poeta?
— Se há uma resposta definitiva, José, gostaria de conhecê-la.
— A um jornalista insistente respondi: já que temos de morrer, que alguma coisa fique*.
— Escrevemos pelo desassossego da finitude.
— E da incompletude. Descubro a mim mesmo nos outros*, os reais e os fictícios.
— E os fictícios nos são os mais reais, eis uma vantagem aos escritores.
— Minhas personagens me tomam, a criatura recria o criador*. Estão em mim. Quem sabe, todos somos os outros*. Todos somos o que em nós os outros são.
— “…o que em nós os outros são”. Em que obra escreveste isso, José?
— Não escrevi, mas leitores o farão por mim. Eu parto, eles continuam sendo o que neles eu sou.
– – – – –
* As frases aqui indicadas são paráfrases de declarações do escritor português José Saramago (1922-2010) em entrevistas concedidas entre os anos de 1989 e 1998 e compiladas na seguinte fonte (as páginas estão indicadas pela ordem do texto):
SARAMAGO, José. As Palavras de Saramago: catálogo de reflexões pessoais, literárias e políticas. Fernando Gómez Aguilera (sel. e org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp 216, 146, 194, 146 e 150.