— Quer que peça pela senhora?
— Falou comigo?
— Só tem a senhora de mulher aqui comprando cravinho[1].
— Dispenso.
— Esse braço levantado não adianta nada. Carnaval, bar lotado. Nesse aperto, tem que empurrar até chegar no balcão.
— Peça.
— Garrafinha?
— Dose. Tenho só dez reais.
— Aceitam pix.
— Meu marido tomou meu celular.
— E deixou uma mulher desse naipe sozinha?
— Eu é que deixei ele ali no bloco. Muita regulação, enchi. Volto mais nunca.
— ‘Mais nunca’ não se escreve.
— Vou é comer muita água[2] escrevendo ‘mais nunca’.
— É difícil ouvir isso da senhora sem ter vontade de ser canalha.
— Tem um cigarro?
— Larguei faz oito anos.
— Nunca fumei. Começo hoje.
— Amanhã a senhora vai se arrepender.
— Arrependimento de não ter feito, tenho um baú cheinho. Quero encher o de ter feito.
— Coleciono muitos de ‘ter feito’. Quero mais esse de ter bebido e fumado com a senhora.
— O senhor inaugura minha coleção.
— A senhora beba de leve, viu? O melhor arrependimento é aquele que não se tem desculpas.
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[1] Cravinho: bebida à base de cachaça, cravo, mel e limão.
[2] Comer água: tomar muita bebida alcoólica.