Escrevo porque sou verbo
Atravessando o texto

Escrevo porque sou verbo

No princípio era o verbo, e era ele quem gritava o perigo e manifestava as demandas; era já indispensável. Mas a humanidade só emergiu daquele primata no dia em que

  • Publishedmarço 11, 2023

No princípio era o verbo, e era ele quem gritava o perigo e manifestava as demandas; era já indispensável. Mas a humanidade só emergiu daquele primata no dia em que ele formulou a primeira narrativa oral a atentos ouvintes. E o primeiro romancista se fez quando ele rupestreou sua caçada. Isso foi no sétimo dia, quando Deus precisou descansar de suas criações e deixou a poesia ao encargo da humanidade.

Já no começo daquele sétimo dia, tão urgente quanto o alimento e a fornicação era a necessidade de comunicar anseios e peripécias.  Viver tornou-se um exercício de semântica. E o falante quis levar seu verbo para além do seu tempo: inventou a escrita. Para dar precisão ao verbo, exigência das ciências e da diplomacia, inventou a sintaxe. A essa altura, os humanos já tinham aprendido a manifestar também suas fantasias, premência de suas realidades. Foi nisso que surgiu a poesia.

Nos bulícios da alma, a poesia é transgressora. Nela, a semântica não se basta, tem que subverter a sintaxe. Eis então porque escrevo: eu não me basto, preciso me subverter.

O verbo é comunicação, mas, na poesia, ele é comunhão. Através do verbo, eu me busco a mim mesmo no outro; no verbo, eu oferto-me o si mesmo ao outro.

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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