Feira de esportes, estande de arco e flecha, o marido desafia a mulher. Após instruções de manejo, ela faz suas tentativas; sequer acerta o disco do alvo. O marido sorri, condescendente.
Uma amiga comum que os acompanha desafia o homem:
— Em um minuto posso fazê-la acertar na mosca de olhos vendados.
Apostaram.
A amiga aponta o alvo e sussurra à mulher:
— Imagina que é o teu marido. Materializa firmemente a imagem dele.
— Não consigo, eu o amo.
— Mesmo com todo o teu amor, mentaliza a imagem dele.
Vendada, a mulher prepara o tiro. Lembra-se das renúncias; giram em sua mente os interditos nos entreditos, o reprimido porque proibido, o proibido porque reprimido. O arco estica.
A flecha encontra o alvo na mosca, e sua força é tal que o divide em pedaços. A amiga sorri ao marido:
— Sorte dos casais a quem lhes sobra amor para protegê-los dos ressentimentos.
——
[Inspirado no conto “O galante atirador” in BAUDELAIRE, Charles. O Spleen de Paris: pequenos poemas em prosa. Coleção fábula, tradução de Samuel Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020]