A mulher sob ataque medieval: Gil Vicente é mais moderno que nossos conservadores.
Tenho Lido

A mulher sob ataque medieval: Gil Vicente é mais moderno que nossos conservadores.

É desolador perceber que Gil Vicente, lá do início do século XVI, ainda nos pareça moderno e progressista quando se trata das condições femininas. Nesse momento em que vemos retrocessos

  • Publishedagosto 24, 2021

É desolador perceber que Gil Vicente, lá do início do século XVI, ainda nos pareça moderno e progressista quando se trata das condições femininas. Nesse momento em que vemos retrocessos às conquistas femininas por igualdades no cenário social, é oportuno considerar o pai do teatro português.

A condição de igualdade feminina é uma conquista histórica ainda em evolução. Quando vemos retrocessos às conquistas femininas por igualdades no cenário social, é oportuno considerar sua evolução histórica. Escolhemos Gil Vicente (1465-1536) e o início do século XVI. Ajudemo-nos com o texto de João Domingues Maia, “Questões Femininas na Obra de Gil Vicente”, publicado em Flores Verbais (Org. Jürgen Heye. Rio de Janeiro: ed. 34, 1995, pp 335-61).

Em fins da Idade Média, Gil Vicente era sensível às condições femininas. Vejamos como, com algumas de suas personagens, ele demonstrava essa sua sensibilidade à questão das mulheres:

1- Constança, ou a Ama, de O Auto da Índia.
Quando o marido parte para as Índias em busca de fortuna, Constança cede ao adultério. Dos homens que partiam naquelas navegações de além-mar, menos de metade voltavam. Durante suas ausências (que podiam durar anos), as mulheres deveriam se comportar como viúvas de maridos (supostamente) vivos. Gil Vicente quase chega a justificar o adultério: “Partem em maio daqui /
Quando o sangue novo atiça / Parece-te que é justiça?”

2- Sibila Cassandra, em O Auto da Sibila Cassandra.

Cassandra tem horror ao casamento, pois não quer submeter-se à escravidão do lar, e Gil Vicente denuncia, assim, a situação da esposa portuguesa. Cassandra tem consciência dos jogos de sedução dos homens, corteses e gentis quando solteiros, mas tiranos após o casamento.

3- Inês Pereira, de Farsa de Inês Pereira.

Inês Pereira é mulher “com um aguçado sentido da realidade, ciência da condição feminina e senso prático da existência”. Seu pragmatismo está no ditado popular “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”. Inês quer casar, mas com um homem de sua escolha segundo seus critérios: ela quer escolher, e não ser escolhida.

Fechando com Simone de Beauvoir, “Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”.

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Referências bibliográficas:

VICENTE, Gil. Teratro de Gil Vicente: Auto da Barca do Inferno / Farsa de Inês Pereira / Auto da Índia. São Paulo: Ática, 1998.

MAIA, João Domingues. Questões Femininas na Obra de Gil Vicente, in Flores Verbais (Org. Jürgen Heye. Rio de Janeiro: ed. 34, 1995, pp 335-61).

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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