Vacinas e a difícil imunização contra o obscurantismo.
Tenho Lido

Vacinas e a difícil imunização contra o obscurantismo.

O negacionismo às vacinas voltou à moda nestes tempos obscurantistas. Voltaire nos conta como ela já era presente no século XVIII.

  • Publishedfevereiro 8, 2022

Século XXI, mergulhados na pandemia da COVID-19 que já matou milhões no mundo, e muita gente ainda recusa a vacina que, por milagre tecnológico, foi desenvolvida em tempo ineditamente curto. Os antivacinas são os mesmos que, eles próprios vacinados, nunca hesitaram em vacinar seus filhos contra varíola, sarampo, tétano e outras doenças. O êxito da vacina contra a COVID-19 é evidente, como evidente é também que esse negacionismo é ideológico: “Vacina chinesa”, “vírus chinês”, bradam. Isso vem de longe, ensina o filósofo francês Voltaire.

Estudos mostram que a hoje chamada “vacinação” já era empregada pelos chineses (de novo, eles?) há mais de mil anos. De forma rudimentar, inoculavam a varíola enfraquecida em seus filhos que, assim, desenvolviam resistência àquela doença. A inoculação proposital da varíola para justamente evitar seus males terríveis chegou à Europa apenas no século XVIII. A varíola atacava, então, estimados 60% da população europeia, e 20% morriam dela. Em 1734, Voltaire, exilado na Inglaterra, testemunhou o método de imunização naquele país, e defendeu a inoculação aos franceses em sua obra Cartas Inglesas:

“Vinte mil pessoas, mortas de varíola em 1723 em Paris, ainda viveriam. [..] Então os franceses não amam a vida?! Suas mulheres não se preocupam com a beleza?!”.

Essa obra de Voltaire foi queimada em praça pública, em Paris, por “desrespeito às autoridades, à religião, aos bons costumes, e por fazerem elogio a ideias estrangeiras”. Isso não impediu a contribuição de Voltaire ao triunfo da filosofia iluminista, mas cobrou muitas vidas por retardar a vitória da Ciência sobre a varíola.

Voltaire denuncia a ignorância e o fundamentalismo religioso como barreiras à ciência: “Na verdade, somos gente estranha! Talvez daqui a dez anos adotemos o método inglês, se os curas (sacerdotes) e os médicos permitirem”. E aponta motivação ideológica entre os franceses, então inimigos dos ingleses: “Ou então, daqui a três meses, por puro capricho, os franceses se servirão da inoculação, se por inconstância os ingleses estiverem enjoados dela”.

Isso há quase 300 anos. A ignorância é coisa que nunca sai de moda.

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Imagem (editada): https://www.elo7.com.br/medieval-casal-luxo-guerreiro-renascenca-varias-cores/dp/147CE6A.

Referências Bibliográficas:

VOLTAIRE, François Marie Arouet de. Cartas Inglesas, in coleção Os Pensadores. Tradução de Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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