Ainda que não haja frutos, valeu muito a força da semente.
Tenho Lido

Ainda que não haja frutos, valeu muito a força da semente.

Não é frequente que a vitória acompanhe a luta. Muitas vezes, a batalha aparentemente perdida deixa sua semente, e essa semente, em desejos e sonhos, faz brotar ideais e propósitos

  • Publishedoutubro 13, 2021

Não é frequente que a vitória acompanhe a luta. Muitas vezes, a batalha aparentemente perdida deixa sua semente, e essa semente, em desejos e sonhos, faz brotar ideais e propósitos comunitários muito mais fortes. Então, mais tarde, a vitória amadurece nas mãos dos herdeiros daqueles primeiros semeadores. Isso a História tem ensinado.

Vivia o Brasil sob uma ditadura já em sua fase final, quando seus males impostos ao povo brasileiro começavam a se voltar também contra ela.

Naquele cenário histórico, com humor e ironia, mas com imensa sensibilidade à realidade então vivida no país, Henfil escrevia sua coluna semanal na revista Isto É (entre 1977 e 1980). A coluna era como se cartas à mãe dele. Naquela época, ele morava em Natal. E nessas “cartas”, desenvolvia em crônicas o caldo tóxico como fluía nossa História – era fim do governo do general Geisel e início do governo do general Figueiredo, com luta por anistia no cardápio. As melhores “cartas” do período foram reunidas no livro Cartas da Mãe, para contar a história, de testemunha ocular e auditiva, às futuras gerações.

Lutava-se, então, por democracia, diretas já, e pela redução das desigualdades sociais que sempre foram (e são) marcas do Brasil, um dos países mais desiguais e socialmente injustos do mundo.

O que é a democracia por que se lutava então, e pela qual ainda hoje se peleja? Seria ela apenas um regime em que se permitem eleições? Ou um modelo social em que se garanta a autonomia dos povos, com dispositivos que limitem a exploração dos fortes sobre os fracos e a espoliação dos bens comuns por uma minoria em detrimento da maioria hipossuficiente?

No meio daquela luta por esse desejável modelo de democracia, Henfil publicou este texto inspirador:

Se não houver frutos,
valeu a beleza das flores.
Se não houver flores,
Valeu a sombra das folhas.
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente
”.

Quando as sementes são ideias, a intenção é uma força imensa. As ideias são sementes que se multiplicam mesmo antes de dar flores ou frutos.

Hoje, quando a democracia volta às nossas preocupações e as desigualdades sociais de novo se acentuam, Henfil diria: Ainda que não haja frutos, a força da semente se multiplicará às gerações futuras.

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Referências bibliográficas:

HENFIL. Cartas da Mãe. Rio de Janeiro: Record, 1984

BETTO, Frei. Alucinado Som de Tuba. São Paulo: Editora Ática, 2003.

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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