Ela escolhia sempre aquela mesa na calçada do café da esquina. Sentou-se de frente para o passeio. Deveria ser discreta, mas sentia um prazer incontrolável em se exibir com sua paixão; ninguém desconfiava de que eram amantes. O garçom de sempre já a viu, mas ele sabe que só deve vir atendê-la depois da chegada do seu amor.
Levantou os olhos, nuvens escuras formavam-se rapidamente. Teriam que sair logo para seu ninho de intimidades, mas ela preferia que a chuva lhes desse tempo para as conversas picantes. Adorava café com conversas indecentes, inadequadas a uma senhora esposa e mãe.
Aquela rua ficara charmosa depois da revitalização urbana, mas excitava-a pensar que ali mesmo, há duas décadas, mulheres vendiam fantasias a homens sedentos de aventuras em copos e cigarros, em corpos e gozos. A humanidade inventou o pecado para tornar suportáveis as suas aflições.
Uma trovoada anuncia a aproximação do garçom. Com simpatia, ele lhe entrega um envelope e se afasta. Ela reconhece a letra de seu amor, deve ter havido algum contratempo. Abre o envelope, e o céu escurece rapidamente.
Uma despedida já se denuncia pela caligrafia hesitante. Uma gota de chuva borra a terceira linha, mas sua leitura é dispensável: depois de anunciado o adeus, as palavras seguintes cuidam apenas de enganar a quem parte e mentir para quem fica. Outra gota sacode o papel, e outra, e outra, e a chuva cai em prantos disfarçando suas lágrimas. Não tem ânimo para se abrigar. Em um minuto, vestido e cabelos estão encharcados.
Nunca mais? Com quem conversaria sobre Virgínia Woolf e os poemas apaixonados de sua Vita? Com quem trocaria gargalhadas? Quem lhe despentearia os cabelos para depois rearranjá-los de uma maneira que mais tarde seu marido diria “adoro quando você faz esse penteado”?
Chuva grossa, gotas pesadas. O garçom traz um guarda-chuva e a convida para o interior do café, mas ela não o vê; tem o rosto virado para cima, olhos fechados, deleita-se com as gotas de chuva beijando-a com fúria e lhe escorrendo em carícias no pescoço.
Quem lhe tocaria com a suavidade de que seu marido nunca seria capaz? Quem exploraria os segredos íntimos de seu corpo com a perícia que só uma mulher domina? Como continuaria amando seu marido sem o amor marginal que agora perdia?
Ela amassa o bilhete de sua amiga, atira-o na sarjeta e vê a correnteza arrastar sua amante rua abaixo.