Comecemos pelo seu campo próprio, o de encantar palavras com profundidade e beleza. O português Fernando Pessoa mereceu estudo do linguista russo Roman Jakobson (JAKOBSON, 1978), que explorou o uso magistral dos oximoros por aquele poeta:
“O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo”.
Mas o brasileiro Chico Buarque foi além e, na canção Agora Falando Sério (1970), talvez tenha inventado o “oximoro oculto”:
“Eu quero fazer silêncio, um silêncio tão doente de o vizinho reclamar.”
Na estrofe seguinte da mesma canção, ele leva a Língua Portuguesa em incursão pelas artes plásticas quando faz edificar concreto sobre a fundação abstrata da palavra “tédio”:
“E chamar polícia e médico O síndico do meu tédio Pedindo para eu cantar”.
Nos versos mágicos de outra canção, Flor da Idade (BUARQUE E PONTES, 1980), um necessário pecado gramatical monta cenário adequado para que libidinosas sílabas façam evoluções frenéticas:
“Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua [..] Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua”.
E já que começamos com Fernando Pessoa, vejamos como ele e Chico modelam suas letras em arte plástica, pintando quadro surrealista: em O Infante, o poeta português pincelou:
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse.”
Ao que Chico, em Fado Tropical (BUARQUE e GUERRA, 1977), deu colorido a modos de aquarela:
“E o rio Amazonas Que corre Trás-Os-Montes E numa pororoca Deságua no Tejo”
São infinitas as possibilidades que a Língua Portuguesa oferece ao artista.