“Corrupção é a dos outros: que paguem eles por meus pecados”.
Certamente, você e eu já vivemos na escola a furtiva situação em que um colega pede “cola”. É caso assim que Machado de Assis narra em “Conto de Escola” (1997).
Certamente, você e eu já vivemos na escola a furtiva situação em que um colega pede “cola”. É caso assim que Machado de Assis narra em “Conto de Escola” (1997). O aluno Pilar ajuda seu colega Raimundo; a passagem da “cola”, no entanto, é percebida pelo colega Curvelo, que os denuncia. E o professor pune com rigor os alunos corruptos.
Na vida temos muitos exemplos de pequenas corrupções. “Coisa boba; não é crime”. Mas qual é o limite entre “coisa boba” e crime? A propina para o guarda “nos aliviar dessa”, a apropriação da carteira achada, o gato na energia “cara”, o atestado falso…
O mundo é esse mar de desejos interditados e obrigações indesejadas. Aí, o jeitinho para sonegar imposto; para subtrair do funcionário seu direito à carteira assinada e benefícios justos; o atestado adulterado.
Para que a sociedade tenha um mínimo de paz e harmonia, afirma Hobbes (1982), cada um de nós abre mão de parte de nossos direitos e liberdades. Assim, trocamos nosso desejo de comer a laranja do quintal do vizinho pela conveniência de ele também respeitar nosso quintal. Essa é a base da civilização.
Mas Freud(1978) nos informa que “todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização”, porque queremos os benefícios do acordo civilizatório, mas resistimos em pagar o ônus correspondente. Somente refreamos nossos impulsos sexuais àquela colega de trabalho porque tememos punições. Diz Freud que “os regulamentos da civilização só [podem] ser mantidos através de certo grau de coerção” porque não amamos renunciar aos nossos desejos.
Voltemos ao conto de Machado: a motivação do aluno Curvelo em denunciar seus colegas estaria em querer punir os corruptos, ou no desejo inconsciente de expiar nos denunciados os seus próprios pecados e interdições? Alguém tem que pagar por nossas frustrações, não é mesmo? Xingamos aqueles políticos que são corruptos, mas quem os colocou lá? O que faríamos de diferente, se no lugar deles?
No final do conto, o castigado Pilar vê um grupo marchando na rua seguindo as batidas de um tambor. Ele não resiste e segue o batalhão cantarolando “rato na casaca”. Aprendera sobre corrupção e delação, “mas o diabo do tambor…”. Talvez coubesse aqui o que trata Freud em “Psicologia das Massas e Análise do Eu”. Mas, aí já é outro assunto.
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Imagem: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/corrupcao-ativa
Referências Bibliográficas:
ASSIS, Machado. Contos de Escola. Série Bom Livro. São Paulo: Editora Ática, 1997.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. In Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
HOBBES, Thomas. Leviatã. In Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1983.