Cultura não é (só) entretenimento: é a vitalidade de sua gente que as “elites” nunca conseguiram calar.
O hoje consagrado samba, assim como o coco e o forró, já foi tratado como cultura marginal e seus músicos, perseguidos com violência. Hoje, o rap e o funk percorrem
O hoje consagrado samba, assim como o coco e o forró, já foi tratado como cultura marginal e seus músicos, perseguidos com violência. Hoje, o rap e o funk percorrem o mesmo calvário. Expressões de realidades em vozes que as elites preferem ignorar, seus artistas e públicos são tratados com a mesma violência com que foram tratados nomes hoje consagrados como Pixinguinha.
Cantavam e dançavam sua música quando a polícia chegou baixando o cacete. Violência e correria. Alguns foram presos, acusados de vadiagem ou associação a criminosos.
Não estamos falando de repressão a bailes funk de periferias, como na desastrada operação policial em Paraisópolis, em dezembro de 2019, que resultou em nove mortos e muitos feridos. Estamos falando do samba, que há um século dava cadeia. Nomes hoje respeitados como Pixinguinha e João da Baiana eram tidos como vagabundos. Sua arte, o samba, reprimida com violência. O samba ontem, o funk e outras músicas de periferia hoje, artes marginalizadas por “defensores da cultura” que se arvoram em poder regular o que é arte e o que não é.
Na apresentação de “Festas e Utopias no Brasil Colonial” de Mary del Prieto, lê-se que “cada sociedade humana é – tanto quanto de suas realidades econômica, política e social – produto de suas angústias, suas fantasias e seus sonhos, projetados nas utopias que elabora”.
Vargas Llosa lembra que arte não é só entretenimento. Ela refina a sensibilidade e estimula aspirações; apura a percepção da realidade vivida e impede que nos tornemos autômatos. Por isso, ele lembra, a cultura e seus artistas são reprimidos nas ditaduras.
Para a Antropologia, a cultura é expressão de como uma comunidade interpreta sua realidade e manifesta sua idealização de mundo. Ela e sua diversidade seriam, para Richard Shweder, tão vitais a uma comunidade quanto a capacidade de adaptação darwiniana é para os seres vivos.
“Ah, mas o funk só fala de sexo e violência”. Suas letras dizem da realidade das periferias onde a presença mais notada do Estado é a repressão policial e as balas perdidas. Calar-lhes é só mais uma violência. Que o Estado as ouça para assistir seus direitos.
Pixinguinha e Donga foram presos e tiveram seus violões quebrados. “Que estupidez!”, você pensa. Hoje, funkeiros e rappers como Anitta e Criolo são premiados internacionalmente, e essas novas artes movem milhões de empregos. Mas seguem marginalizadas. Em breve, lembrando a marginalização a que nossas “elites” relegam a arte da periferia, seus netos pensarão: “Que estupidez!”.
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Crédito da imagem: < https://folhadomate.com/variedades/na-batida-do-funk-as-referencias-do-estilo-musical-que-ganhou-o-mundo/ >
Referências Bibliográficas:
BBC – British Broadcasting Corporation – News Brasil. Quando tocar samba dava cadeia no Brasil. Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51580785 >. Publicado em 21 fevereiro. 2020. Acesso em 8 novembro. 2021.
Del Priori, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil Colônia. São Paulo: Brasiliense, 2000.
EL PAIS – Sociedade. Quando o baile funk de Paraisópolis se calou (e não por bombas da PM). Disponível em < https://brasil.elpais.com/sociedade/2019-12-08/quando-o-baile-funk-de-paraisopolis-se-calou-e-nao-por-bombas-da-pm.html >. Publicado em 8 dezembro. 2019. Acesso em 8 novembro. 2021.
Vargas Llosa, Mario. O falador; tradução de Remy Gorga Filho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
Vargas Llosa. Mario. É necessário que a arte exista (2 min). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU. Acesso em: 8 novembro. 2021.