Disparada: “Porque gado a gente marca, tange e ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente”.
Uma breve leitura da música Disparada com textos convergentes de Chico Buarque (Fazenda Modelo), Miguel de Cervantes (Dom Quixote), Jean-Paul Sartre (Furacão sobre Cuba), Eric Hobsbawm (Bandidos) e Fernando Henrique
Uma breve leitura da música Disparada com textos convergentes de Chico Buarque (Fazenda Modelo), Miguel de Cervantes (Dom Quixote), Jean-Paul Sartre (Furacão sobre Cuba), Eric Hobsbawm (Bandidos) e Fernando Henrique Cardoso (Dependência e Desenvolvimento na América Latina).
Em 1966, o cantor Jair Rodrigues emocionou plateias no Festival de Música Popular Brasileira defendendo a música Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros. Nesta presente leitura de sua letra, outros autores fazem coro à mensagem engajada e atualíssima daquela canção:
“Prepare o seu coração Pras coisas que eu vou contar [..] Aprendi a dizer não Ver a morte sem chorar E a morte, o destino, tudo Estava fora de lugar Eu vivo pra consertar
‘Pareceu-lhe necessário, para sua honra e para o bem de sua gente [..] ir-se pelo mundo com suas armas e cavalo [..] desfazendo todo gênero de injustiça‘ (CERVANTES, 2015, p.30) – tradução livre.
“Na boiada, já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu.
‘Juvenal conduziu Lubino ao topo da colina de onde avistavam todos os confins. A ideia era aplicar a forma bíblica. [..] Mas Lubino estava apenas espiando o curral’. (BUARQUE, 1978, p.103).
“Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
Que boiadeiro era um rei.
‘O problema teórico fundamental é constituído pela determinação dos modos que adotam as estruturas de dominação, porque é por seu intermédio que se compreende a dinâmica das relações de classe’. (CARDOSO, FALLETO, 1970, p.23).
“Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando
As visões se clareando
Até que um dia acordei.
‘Nessas transformações sociais, que papel desempenham os bandidos [..]? se recusam à submissão e, ao fazê-lo, [..] são forçados à marginalidade e ao “crime”’. (HOBSBAWM, 2010, p.45).
“Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
De dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange e ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente.
“
“Creio ter sido então que exprimiu pela primeira vez seu pensamento profundo, fonte inegável de toda a sua futura atividade: qualquer que seja a importância dos fatores naturais, os males que afligem os homens são causados por outros homens”. (SARTRE, 1960, p.60).
Há guerras que, em nome da liberdade, empregam exércitos para estabelecer dominações; e há guerras de quixotes que, pela mesma liberdade, lutam em seus rocinantes para romper dominações. Fico com os Quixotes.
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Crédito da imagem: Festival de Música Popular Brasileira. TV Record, 1966. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=82dRs2z6iQs>. Acesso em: 16 novembro. 2021.
Referências Bibliográficas:
BUARQUE, Chico. Fazenda Modelo: novela pecuária. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978.
CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina – Ensaio e interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
CERVANTES, Miguel. Don Quijote de La Mancha. Edición conmemorativa IV centenário Cervantes – Real Academia Española. Barcelona: Penguin Random House, 2015.
HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
SARTRE, Jean-Paul. Furacão sobre Cuba. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960.
VANDRÉ, Geraldo; BARROS, Theo de. Disparada. Interpretação por Jair Rodrigues, Festival de Música Popular Brasileira. TV Record, 1966 (4 min). Disponível em