Eram dois milionários investidores. Conversavam em sua língua, mas faz de conta que falavam a nossa. Fica mais fácil.
— Por que investe tanto na indústria de tecnologia, se o senhor é um dos barões da farmacêutica?
Não nos importa onde estavam, se lhes esperavam filhos em casa, se chovia ou fazia sol. Basta-nos o diálogo. Fica mais fácil.
— Meu caro, a indústria de tecnologia planta hoje para a farmacêutica colher amanhã.
Abre parênteses: Nesta curtíssima prosa, usaremos somente palavras comuns; nada de frases sofisticadas. Fica mais fácil. Fecha parênteses.
O outro não entendeu:
— Não entendo.
— Meu caro, as pessoas querem facilidades, o mínimo de esforço. Para que fazer movimentos cansativos e raciocínios complicados, se a máquina pode fazer tudo?
O outro começou a entender:
— Começo a entender.
O um continuou ao outro:
— Para que perder tempo procurando uma música, por exemplo, se a pessoa pode falar ao aparelhinho e ser imediatamente atendido? Imagina perder tempo procurando, e acabar encontrando outras de que nem lembrava mais, e esbarrar em retalhos de vida nos porões da memória, saudades desbotadas, emoções empoeiradas…
E o outro viu: o que facilita a vida facilita a morte; e viu futuros corações mofinos e cérebros preguiçosos socorrendo-se de toneladas de medicamentos. E foi mais longe o raciocínio dele, mas é complicado, deixa essas reflexões para lá. Perder tempo para quê, não é?
— Sim; para quê?
O barão da indústria farmacêutica continuou, triunfante:
— Estou investindo no projeto de um aparelho que permitirá aos casais fazerem amor sem precisar sequer se mexer.
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Sensacional a reflexão. Não é a quantidade de palavras que faz um bom texto. É a formação delas, as conexões, a profundidade e, além de tudo, o que estão entre as linhas. Parabéns.