Ira, um pecado eclético: virtude no justo, covardia no truculento.
Xadrez, Truco e Outras Guerras é o nome do livro a que coube tratar da Ira na coleção Plenos Pecados. Seu autor, o escritor e roteirista José Roberto Torero, foi
Xadrez, Truco e Outras Guerras é o nome do livro a que coube tratar da Ira na coleção Plenos Pecados. Seu autor, o escritor e roteirista José Roberto Torero, foi buscar inspiração na Guerra do Paraguai para tratar o tema com toque de humor.
A ira é como alguém que se viu enredado em um ambiente de crimes apenas porque se envolveu em má companhia. Ela é amiga íntima da inveja, por exemplo, mas joga cartas também com outros pecados. No livro de Torero, um soberano faz guerra ao país vizinho não por ódio ao seu governante, mas pela soberba do poder; o general guiará suas tropas “não por ira ao inimigo, mas por amor ao renome”; o coronel o seguirá por cobiça por patentes, o capitão pela vaidade de ser soldado.
Também no pecado da ira, Santo Tomás de Aquino faz importantes ressalvas. A ira pode vir para o bem ou para o mal. Para responder a uma injustiça ou a uma ameaça, é a ira que nos dá a força extra que, sem ela, dificilmente poderíamos alcançar êxito. Boa ira. Mas quando a ira se faz cúmplice na ação de outro pecado, como a inveja ou a arrogância, ela cega. Má.
A Bíblia está cheia de demonstrações da ira divina, como o dilúvio (Gênesis, 6-7) e a destruição de Sodoma e Gomorra (Gênesis, 19). Também Jesus precisou de boa dose de ira para expulsar os vendilhões do templo (Mateus, 21:12).
Quando a ira é uma resposta ao mal, ela é virtude no justo. Seu contrário seria a indolência, esse outro pecado que, fazendo a pessoa abdicar à ação da justiça, do bem comum, da honra, da vida e do prazer, leva inevitavelmente à infelicidade. O pecado da ira seria antídoto ao pecado da indolência.
Mas quando a ira segue as más companhias da inveja, da soberba ou da luxúria, e permite ao sujeito substituir o dissabor da injustiça pelo prazer da vingança, ela o torna um desprezível criminoso. Especialmente porque, nesses casos, a ira costuma se aprazer da violência do forte sobre o fraco. Como Torero ironiza no fechamento de seu livro: “A ira, meu caro, só é sábia se possui um grão de covardia”.
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Imagem: Freepic
Referências Bibliográficas:
AQUINAS, Thomas. The Complete Works of Thomas Aquinas (Catholic Publishing). Material compiled from Omaha-NE: Kindle Editions, 2018 (parte 1 do livro 2, questão 84, p.1951).
TORERO, José Roberto. Xadrez, truco e outras guerras (Ira). Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.