Luxúria: do discurso da repressão à repressão do discurso.
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Luxúria: do discurso da repressão à repressão do discurso.

João Ubaldo Ribeiro trata da Luxúria em seu A Casa dos Budas Ditosos, da coleção Plenos Pecados (Objetiva). No livro, uma contemporânea de nossas avós leva sua vida a quebrar

  • Publishedjaneiro 18, 2022

João Ubaldo Ribeiro trata da Luxúria em seu A Casa dos Budas Ditosos, da coleção Plenos Pecados (Objetiva). No livro, uma contemporânea de nossas avós leva sua vida a quebrar tabus sexuais. Devassa, mas dissimulada moça de boa família, ela sustenta que a repressão sexual “teve sua utilidade, até mesmo lúdica” (RIBEIRO, 1999, p. 52). Sim, a transgressão dá mais prazer ao sexo (STOLLER, 1981).

Dos pecados, a luxúria foi sempre o mais reprimido. Mas, segundo o filósofo Michel Foucault, essa repressão teria mudado de endereço: antes a prática, agora o discurso. Hoje incentiva-se o sexo, mas reprime-se o falar nele. Um pouco de História, por favor:

As religiões abraâmicas (cristianismo, judaísmo e islamismo) foram implacáveis com a sexualidade, e especialmente tirânicas para as mulheres. A cultura patriarcal, via Igreja, vilanizou o sexo e o tornou “corrupção da alma”. A luxúria foi interditada, embora tolerada aos homens. Mas as mulheres reagiam, inclusive as freiras: em Que Seja em Segredo, MIRANDA (2014) traz “escritos da devassidão nos conventos brasileiros e portugueses dos séculos XVII e XVIII”.

Com a ascensão da moral burguesa do capitalismo, na qual a ética do lucro se sobrepõe a qualquer outra, a gula e a luxúria tornam-se agentes de vendas em ações publicitárias. Mas, enquanto não faltam campanhas de educação alimentar, o mesmo não ocorre ao sexo. Entre pais e filhos por exemplo se estabelece, “se não silêncio absoluto, pelo menos tato e discrição” (FOUCAULT, 2021, p.20). E uma onda reacionária atacou escolas que ousavam promover educação sexual. Esses reacionários chegam ao Congresso Nacional para “democratizar” a ignorância.

Hoje, quando a Psicanálise faz emergir um mundo de revelações libertadoras, somos estimulados à luxúria (sempre secreta), mas não ao conhecimento a ela relacionado. E o interdito do discurso alcança também cônjuges de propostas monogâmicas, que não conseguem expressar entre si as suas verdades profundas; e cada indivíduo, com a interdição do diálogo consigo mesmo, desconhece suas próprias verdades. Não sabendo, por exemplo, discernir amor de desejo, matam este e frustram aquele (PEREL, 2007).

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Imagem: Freepic

Referências Bibliográficas:

AQUINAS, Thomas. The Complete Works of Thomas Aquinas (Catholic Publishing). Material compiled from Omaha-NE: Kindle Editions, 2018 (parte 2 do livro 2, questão 1, p.1195).

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: 1- A vontade de saber, tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 11ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

MIRANDA, Ana. Que seja em Segredo: escritos da devassidão nos conventos brasileiros e portugueses dos séculos XVII e XVIII. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014.

PEREL, Esther. Sexo no cativeiro. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

RIBEIRO, João Ubaldo. A Casa dos Budas Ditosos (Luxúria). Coleção Plenos Pecados. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

STOLLER, Robert J. Excitação Sexual: dinâmica da vida erótica. Tradução de Aydano Arruda. São Paulo: Ibrasa, 1981.

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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