Escritores iniciantes costumam ter grandes dificuldades em revisar seus textos. Zelosos de suas crias, apegam-se à primeira versão com tal fervor que lhes dói cortar o peso morto de frases e palavras que sobram nas bordas. Eu passei por isso.
Foi meu avô materno quem me trouxe a melhor lição sobre revisões.
João Berenguer, meu avô, tinha por ofício a arte da marcenaria, que é da mesma índole da literatura: ambas têm por gosto e missão elevar ao reino do encantamento aquilo que nasceu para a utilidade.
Pois este seu neto assumiu que é artesão do verbo.
Antes de começar seu trabalho de criação, meu avô ia a um armazém adquirir a madeira bruta. Já é em si uma arte saber escolher a melhor peça da cerejeira, do carvalho, do cedro; mas não é o principal da criação. Quando chegava à sua oficina com a peça caprichosamente selecionada, só então meu avô começaria a desenvolver sua maestria em cortar, entalhar, lixar, envernizar e extrair dela a beleza e a sedução.
Assim como ele, primeiro eu adquiro a madeira, que é quando produzo a primeira versão do texto. Aí está ele, concebido com esmero, mas ainda madeira bruta. Às vezes essa madeira já se apresenta de razoável qualidade; na maioria das vezes, não. Mas isso é de menor importância; o que conta é ter a madeira para entalhar.
É só então que começo meu verdadeiro trabalho de artífice da palavra. Diante da peça bruta, a trena mede períodos, o serrote corta orações, formões entalham verbos, esquadros alinham adjuntos, plainas harmonizam a semântica, verniz dá brilho à poesia.
A verdadeira arte não está no escrever, mas no revisar, no entalhar que esculpe sentido, utilidade e brilho ao texto.
Como meu avô, sou um artífice. No meu caso, um marceneiro da semântica.
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(Crédito da Imagem: Pixabay)