Navegar é preciso. Viver, aventura sendo, é impreciso

Pompeu aos seus amedrontados marinheiros: “navigare necesse; vivere non necesse”.

Fernando Pessoa deu cores poéticas à exortação do general romano:

“Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
[…]
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.”

E o genial poeta baiano, Caetano de berço, foi buscar na saga dos argonautas a precisa conjugação do verbo viver:

“O barco, meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não.”

A vida é esse incontentável, e é tormenta e é alegria; o porto, não.

“O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada
[…]
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio”.

A vida é o impreciso, e ela navega na ousadia do solto, do perdido. O porto é a única certeza, refúgio final, último e derradeiro, o nada, o silêncio. Já a vida, ela é o risco. Não lancemos âncoras quando há ainda tanta vida a soprar.

“O trilho solto, o barulho”. Tentamos dar réguas aos nossos planos só para depois descobrirmos que o melhor da vida frutificou mesmo foi do que se desviou daquilo que tínhamos planejado.

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Referências bibliográficas:

PESSOA, Fernando. Navegar é preciso. Organização e comentários de Rafael Arrais. E-book Kindle, 2013.

VELOSO, Caetano. Os Argonautas (música e letra). Gravadora Philips, 1969 (3 min).