Nossos mortos e ancestrais: a força que vem deles, com ou sem religião.
Tenho Lido

Nossos mortos e ancestrais: a força que vem deles, com ou sem religião.

Não importa se você segue uma religião - qualquer uma - ou não. Se é ateu ou não. É indiferente se você acredita em vida após a morte. São a

  • Publishednovembro 2, 2021

Não importa se você segue uma religião – qualquer uma – ou não. Se é ateu ou não. É indiferente se você acredita em vida após a morte. São a Antropologia e as ciências sociais que mostram a importância da ancestralidade em nossa força como seres humanos e como comunidades, e sua importância à nossa liberdade de escolhas e à saúde emocional.

“Não se é de um lugar enquanto não se tenha um morto embaixo da terra”. Assim responde José Arcadio Buendía à sua mulher Úrsula, em Cem Anos de Solidão.

É a ancestralidade que nos fortalece em comunidade. A veneração aos ancestrais é universal, segundo a Antropologia, tendo estado presente, em diferentes graus, em todas as civilizações estudadas. O conceito de alma foi desenvolvido ainda pelos seres humanos primitivos, e nos chegou às civilizações mais avançadas: Japoneses, chineses, africanos, europeus, ameríndios, incas, hebreus, todos.

Tradicionalmente, toda cidade tem no cemitério um dos lugares mais importantes e respeitados. No filme Narradores de Javé, quando a população é obrigada a deixar sua antiga cidade que uma barragem do progresso faria inundar, é no cemitério com seus antepassados que está a maior preocupação. É tocante ouvir a antítese indignada de uma moradora: “Nossos mortos vão viver debaixo d’água? Não pode!” (1h21’).

Em As Velhas, Tari Januária quer dar a cada filho uma faca com cabo feito dos ossos do pai: “Que filho não seria valente com o osso dele na mão?”.

Mas que força é essa que os ancestrais conferem a essas todas civilizações? De acordo com Fritjof Capra, é a força do pertencimento – a uma comunidade, a uma rede de sabedoria, proteção e afeto; aí está a base do desenvolvimento da cultura e é essa força que permite a uma comunidade recriar e recriar-se no que foi denominado “autopoiésis” pelos chilenos Varela e Maturana: a capacidade de criar-se, resistir, reinventar-se para permanecer. Esse pertencimento é fonte também de saúde emocional.

Nas grandes cidades, vamos perdendo essa força. Reverenciam-se os mortos apenas pela perda, não mais por seu legado; não mais nos valores herdados ou na força do pertencimento; apenas no sobrenome, nos bens e na lembrança do afeto perdido.

Sem aqueles laços do pertencimento autopoiético, somos mais individualistas e menos comunitários, mais consumistas e mais sujeitos às manipulações midiáticas.

Nisso, nossos mortos e ancestrais nos podem ajudar, se nós o permitirmos.

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Referências Bibliográficas:

ADONIAS FILHO. As Velhas. 3ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas. 4ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2005.

HOEBEL, Adamson; FROST, Everett. Antropologia Cultural e Social. 3ª edição. São Paulo, Editora Cultrix, 1990.

MARQUEZ, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão. Tradução de Eliane Zagury. 54ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2003.

Narradores de Javé. Direção: Eliane Caffé. Produção Bananeira Filmes. Brasil: Riofilmes, 2004. DVD

Written By
Gilberto Vitor

Escritor, pesquisador independente - Literatura, Filosofia, Linguística.

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