O preço da gasolina, os romanos e os saduceus: o que foi feito de nosso pré-sal?
Nas discussões sobre a alta dos preços dos combustíveis, é intrigante como parece que nos esquecemos muito rapidamente que tínhamos uma coisa a que chamávamos “pré-sal”. A imprensa, os políticos,
Nas discussões sobre a alta dos preços dos combustíveis, é intrigante como parece que nos esquecemos muito rapidamente que tínhamos uma coisa a que chamávamos “pré-sal”. A imprensa, os políticos, ninguém fala a respeito, como se isso nada tivesse a ver com aquilo. Ou como se, simplesmente, tenha-se abatido sobre nós uma amnésia coletiva.
Há uma amnésia coletiva sobre o que um dia foi chamado de “nosso pré-sal”. Por que, na atual discussão sobre preços de combustíveis, não se fala mais em pré-sal? Como se explica ter ele sumido da memória de nossos líderes e até da imprensa?
O historiador judaico-romano Flávio Josefo (37 a 100 dc), acomodado em minha estante e vendo minha inquietação, se agita em me dizer algo. Vamos ouvi-lo.
No livro II de seu “Las Guerras de los Judíos”, ele trata da relação de subordinação do governo judaico, no primeiro século de nossa era Cristã, ao poder de Roma. Os membros do Sinédrio, expressão do poder local, eram escolhidos conforme o dedo de César. E a elite judaica (os saduceus) mantinha acordos de conveniência com aquele poder estrangeiro numa relação de dependência para garantir privilégios.
Relação de dependência com acordo das elites locais com o poder estrangeiro, disse-o Josefo, o que está corroborado em leitura dos primeiros livros bíblicos do Novo Testamento. Mas deixemos nosso historiador antigo e consideremos obra contemporânea. O livro “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, dos sociólogos Fernando Henrique Cardoso (nosso ex-presidente) e Henzo Falleto (chileno), faz-nos saber que o Brasil, como o Chile e outros países latino-americanos, tem sua economia embasada em dependência internacional, o que se desenha com base em dominação – de grandes corporações internacionais sobre as elites econômicas nacionais, e destas sobre as classes média e baixas. A dominação internacional configuraria o que a obra denomina “economia de enclave” (extensão territorial de país estrangeiro): “atividades primárias controladas de forma direta pelo exterior” (p. 46).
Na leitura da obra de Josefo, vê-se que a elite judaica mantinha obediência a Washington, perdão, a Roma, colhendo privilégios e riquezas enquanto permitia, dissimuladamente, que os estrangeiros espoliassem as riquezas de seus compatriotas.
Flávio Josefo não fala de Jesus, embora fossem contemporâneos. Mas temos a Bíblia: quando condenam Jesus Cristo, é o Sinédrio (que tem as bênçãos de César) quem o faz. Pilatos, o governador romano, apenas lava as mãos, embora a Roma interessasse calar dissidentes como Jesus. Tudo muito conveniente, senão, como reagiria o povo da Galileia se soubesse, pelos telejornais e redes sociais, que a condenação de seu líder fora decidida por governo estrangeiro?
A quem entregaram o pré-sal?
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Referências bibliográficas:
Cardoso, Fernando Henrique; Falleto, Henzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina – Ensaio e interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
Josefo, Flávio. La Guerra de Los Judios. Tradução de Carola Tognetti. Versão digital. Greenbooks Editores, 2019.